sexta-feira, 11 de março de 2011

''Mas, de alguma forma, enquanto trabalhava com Carolyn, com suas joias ostentosas e perfume inebriante, blusas de seda, batom vermelho e unhas pintadas, aqueles peitos grandes e pernas compridas, a cascata de cabelos brilhantes, acabei me deixando envolver por completo - e exatamente assim, detalhe por detalhe, de tal forma que me sentia excitado quando farejava seu perfume em outra mulher que passava por mim no corredor.

(...) Conversávamos sobre o julgamento, nossas vidas, qualquer coisa, ela parecia uma mistura extraordinária de fatores. Sinfônica. Uma personalidade sinfônica. Disciplinada e encantadora. Uma risada musical. E um sorriso que era uma maravilha da ortodontia. Era muito mais que espirituosa do que imaginara; dura, como todos diziam, mas nem tanto assim.

Fiquei particularmente afetado por seus comentários casuais, a maneira como os olhos, escurecidos pela maquilagem, assumiam um ar de avaliação objetivo. Analisando política, testumunhas ou policiais, ela demonstrava como tinha uma visão firme de tudo o que estava acontecendo. E isso era muito excitante para mim, conhecer uma mulher que parecia estar de fato por dentro das coisas, que avançava pelo mundo com a velocidade de Carolyn e que era tantas coisas diferentes para pessoas diferentes. (...)

- Lá estava aquela mulher impetuosa, inteligente, bonita, muito celebrada, com uma espécie de radiância intensa. (...) Há aquele calor, a sensação de estar ressequido... todas as antigas metáforas idiotas... e começo a pensar: ''Santo Deus, isso não pode estar acontecendo!'' E talvez, jamais acontecesse, mas a essa altura começo a perceber, começo a pensar que ela presta alguma atenção em mim. Está mesmo olhando para mim. Claro que isso parece coisa de escola secundária. Mas aí está o problema, as pessoas não olham umas para as outras. (...)

- Essa era a pior parte, aquele incrível domínio sobre meus sentimentos. Entro no chuveiro, estou guiando pela rua... e lá está Carolyn. Fantasias. Conversas com ela. Um filme ininterrupto. Contemplo-a divertida e relaxada, apreciando... a mim. Isso mesmo, a mim. Não consigo concluir um telefonema; não consigo ler um memorando ou um sumário.

E tudo isso, toda essa espetacular obsessão, arrostando um coração disparado, entranhas pelo avesso, uma sensação frenética de resistênciae incredulidade. Digo a mim mesmo que não aconteceu, é um episódio juvenil, um truque da mente, como déjà vu. Estremeço nos momentos mais inesperados. Tatei pelo íntimo, em busca da antiga realidade. Garanto a mim mesmo que me levantarei pela manhã me sentindo incólume, sentindo-me bem outra vez, sentindo-me são.

Mas isso não acontece, é claro, e os momentos em que estou com ela, a expectativa, a apreciação, são primorosos. Sinto-me sem fôlego, meio tonto. Rio com muita facilidade, facilidade demais. Faço o que posso para permanecer junto dela, mostro um papel por cima de seu ombro enquanto está na escrivaninha, a fim de observar com mais detalhes alguns aspectos: os brincos de ouro, os odores dos sais de banho e da respiração, a cor azulada da nuca quando os cabelos se entreabrem. E depois, quando estou sozinho, sinto-me desesperado e envergonhado. Essa obsessão devastadora e louca! Onde está meu mundo? Estou partindo. Já parti.''

Acima de qualquer suspeita, Scott Turow.

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